HOMILIA DA MISSA DA VIGÍLIA PASCAL
RESSUSCITOU! A MELHOR NOTÍCIA DO MUNDO
“Um grande silêncio reina hoje na terra, um grande silêncio e
uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o Rei dorme. A terra tremeu e
acalmou-se porque Deus adormeceu na carne e foi acordar os que dormiam desde
séculos… Ele vai procurar Adão, nosso primeiro Pai, como uma ovelha perdida.
Quer ir visitar todos os que se assentaram nas trevas e à sombra da morte. Vai
libertar de suas dores aqueles dos quais é filho e para os quais é Deus: Adão
acorrentado e Eva com ele cativa. ‘Eu sou teu Deus, e por causa de ti me tornei
teu filho. Levanta-te, tu que dormes, pois não te criei para que fiques
prisioneiro do Inferno. Levanta-te dentre os mortos, eu sou a Vida dos mortos’”
(Antiga homilia para o Sábado Santo) (1).
Sábado Santo. Dia do grande silêncio. “Permaneça mudo todo
mortal e fique com temor e tremor; não medite em nada que seja terreno”
(liturgia bizantina do Sábado Santo). Às vezes temos a impressão de viver numa
nova Sexta-feira Santa, mas o mistério a ser vivido é diferente. É dia de
silêncio, de meditação, de perdão, de reconciliação. “A Igreja fica parada
junto ao sepulcro do Senhor, meditando a sua paixão e morte” (2). Os sinos e os
instrumentos se calam. As igrejas estão despidas. O altar está despojado. O
sacrário está aberto e vazio. É o dia da ausência, em que o Esposo nos foi
arrebatado. Dia de dor, de repouso, de solidão. O próprio Cristo está calado.
“No seu projeto de salvação, Deus dispôs que seu Filho não somente ‘morresse
pelos nossos pecados’, mas também que ele ‘provasse a morte’, isto é,
conhecesse o estado de morte, o estado de separação entre sua alma e seu corpo,
durante o tempo compreendido entre o momento que expirou na cruz e o momento em
que ressuscitou. Este estado de Cristo morto é o mistério do sepulcro e da
descida aos Infernos. É o mistério do Sábado Santo em que o Cristo colocado no
túmulo manifesta o grande descanso sabático de Deus depois da realização da
salvação dos homens, que coloca em paz o universo inteiro”. (1) Celebramos
também a descida de Jesus aos Infernos.
Muitos cristãos não entendem essa expressão, mas Inferno aqui significa a
Morada dos Mortos, ou como diziam os judeus, o Sheol ou o Hades, pois antes da
Ressurreição de Cristo (que abriu as portas do Céu), todos os que haviam
morrido, inclusive os justos, os não condenados, estavam privados da visão de
Deus. “Mas foi para lá como Salvador, proclamando a boa notícia aos espíritos
que ali estavam aprisionados… Jesus não desceu aos Infernos para ali libertar
os condenados nem para destruir o Inferno da condenação, mas para libertar os
justos que o haviam precedido”. “Cristo desceu, portanto às profundezas da
morte a fim de que ‘os mortos ouçam a voz do Filho do Homem e os que a ouvirem
vivam’ (Jo 5,25). Jesus, ‘o Príncipe da vida’ (At 3,15), ‘destruiu pela (sua)
morte o dominador da morte, isto é, o Diabo; e libertou os que passaram toda
vida em estado de servidão, pelo temor da morte’ (Hb 2,14-15). A partir de
agora Cristo ressuscitado ‘detém a chave da morte e do Hades’ e ‘ao nome de
Jesus todo joelho se dobra no Céu, na Terra e nos Infernos’ (Fl 2,10)”. Aí está
o mistério a ser vivido no Sábado Santo, que culmina com a Vigília Pascal.
A Vigília Pascal é o cume do Tríduo Pascal. Poucos sabem, mas liturgicamente
ela faz parte do 3º dia do Tríduo, e não do sábado, e até por isso o termo
Sábado de Aleluia é um tanto quanto questionável. A palavra vigília vem do
latim, vigilia, e significa um estado ordinário de consciência. É também
chamada Vigília do Senhor, Grande Vigília, Mãe de todas as vigílias. Tantos
nomes solenes para esta que é a celebração mais importante do calendário
litúrgico cristão.
Um pouco de história… Até o século IV, a celebração da Páscoa na Igreja era
totalmente centrada na Vigília Pascal. Não havia outras festas litúrgicas
durante o ano, nem mesmo o Natal ou o Tríduo Pascal. Por isso, era uma data
ansiosamente esperada pelos cristãos. Ainda não existia o tempo da Quaresma,
sendo a Vigília precedida por um ou mais dias de jejum. Esta era celebrada na
noite do sábado para o domingo, iniciando-se somente após o pôr-do-sol do sábado
e terminando na aurora do domingo, com a celebração da Eucaristia. Isso mesmo,
a celebração durava a noite inteira. Isso porque todos os eventos pascais eram
celebrados juntos, na mesma noite, como um único mistério: instituição da
Eucaristia, Paixão, Crucifixão, Morte, Ressurreição, Ascensão e até mesmo
Pentecostes. Somente a partir do século IV é que essas festas começaram a ser
celebradas em dias separados, nos dias da semana em que realmente ocorreram,
dando origem ao ciclo da Páscoa, distribuindo-se, assim, o rico conteúdo da
celebração da Páscoa, o que ajudava a compreender melhor todos esses mistérios.
Todavia, essa divisão fez com que a celebração da Vigília perdesse parte da sua
força primitiva. Era uma data especial, principalmente para os catecúmenos
(pagãos que desejavam ser batizados, chegando a se preparar por 2 ou 3 anos
para o Batismo), pois era ordinariamente a data do ano em que as pessoas
recebiam os sacramentos da Iniciação Cristã (Batismo, Confirmação e
Eucaristia), o que também contribuía para que a celebração fosse longa.
O Batismo geralmente não era celebrado no lugar do culto. Os catecúmenos saíam
do local da celebração da Vigília e eram conduzidos a rios ou lagos, enquanto a
comunidade permanecia em oração e invocando os santos. Repetiam muitas vezes:
“Senhor, tende piedade de nós! Cristo, tende piedade de nós! Senhor, tende
piedade de nós!” Depois de um longo tempo, os neo-batizados retornavam, agora
revestidos com vestes brancas, sendo recebidos pela comunidade com a solene
acolhida: “O Senhor esteja convosco!”, ao que respondiam com alegria e júbilo:
“Ele está no meio de nós!”
Hoje, em muitas celebrações da Vigília, vemos predominar um caráter mais moral
e ascético. Mas naqueles tempos do início da Igreja, a Vigília Pascal tinha um conteúdo
profundamente cristológico. Isso porque os primeiros cristãos conseguiam
entender e celebrar a Vigília Pascal como uma “vigília do Senhor”, e não uma
vigília do homem.
São Cromácio de Aquiléia nos explica: “Todas as vigílias que são celebradas em honra
do Senhor são agradáveis e aceitas por Deus; mas esta vigília está acima de
todas as vigílias. Ela foi chamada, por antonomásia, ‘a vigília do Senhor’.
Está escrito de fato: Esta é a vigília do Senhor a ser observada por todos os
filhos de Israel (Ex 12,42). Muito justamente esta noite é chamada ‘vigília do
Senhor’; Ele de fato fez vigília em vida, para que nós não adormecêssemos na
morte. No mistério da paixão, ele se submeteu por nós ao sono da morte, mas tal
sono do Senhor tornou-se a vigília de todo o mundo, porque a morte de Cristo
afastou de nós o sono da morte eterna. É isto que ele mesmo diz por meio do
profeta: Depois disto, eu adormeci e despertei, e o meu sono tornou-se suave
para mim (Sl 3,6; Jr 31,26). Certamente, este sono de Cristo tornou-se suave
porque nos chamou da amarga noite para a doce vida. Esta noite, enfim, é
chamada ‘vigília do Senhor’ porque ele vigiou mesmo dormindo o sono da morte. É
o que indica ele mesmo pela boca de Salomão quando diz: Eu durmo, mas meu
coração vigia (Ct 5,2), aludindo abertamente ao mistério da sua divindade e da
sua carne. Ele dormiu na carne, mas vigiou na divindade que não podia dormir.
Sobre a divindade de Cristo lemos: Não dorme nem adormece o vigia de Israel.
(Sl 121,4). Por isso, pois, disse: Eu durmo, mas meu coração vigia. No sono da
sua morte, de fato, ele dormiu segundo a carne, mas com sua divindade percorria
os infernos, para arrancar o homem que ali era mantido prisioneiro.
O nosso Senhor e Salvador quer visitar todos os lugares para ter piedade de
todos. Do céu desceu à terra para visitar o mundo; da terra, em seguida, desceu
aos infernos para iluminar os que estavam presos nos infernos, segundo o que
diz a profecia: Uma luz se levantou para vós que estais nas trevas e nas
sombras da morte (Is 9,2). É justo, pois, que seja chamada ‘vigília do Senhor’
esta noite em que ele iluminou não só este mundo, mas também aqueles que
estavam entre os mortos” (Sermão XVI para a grande noite).
O Pe. Raniero Cantalamessa também nos explica: “Em dois sentidos, a vigília pascal é
‘vigília do Senhor’: primeiro porque o sono da morte do Senhor procurou a
vigília, isto é, a vida para todos; segundo, porque enquanto a sua humanidade
‘dormia’ na morte, a sua divindade – seu coração! – vigiava, estava viva. O
mistério pascal aparece, ainda uma vez, ancorado no mistério cristológico, isto
é, na estrutura da pessoa de Cristo, homem e Deus. Porque Cristo era Deus e
homem, Ele podia ao mesmo tempo dormir e vigiar, morrer e estar vivo: dormir
como homem e vigiar como Deus, sofrer a morte como homem e dar a vida como
Deus”.
Contudo, todo homem é também chamado a estar em vigília, pois, assim como Jesus
teve a sua Páscoa, o homem também deve ter a sua. “Há, pois, uma Páscoa a ser
celebrada na liturgia e uma Páscoa a ser celebrada na vida. Elas são
inseparáveis entre si: a Páscoa da liturgia deve alimentar a Páscoa da vida, e
esta, tornar autêntica a Páscoa litúrgica.” (3) Por isso, na celebração da
Vigília Pascal a Igreja faz vigília junto ao fogo novo abençoado, onde é aceso
o Círio Pascal, símbolo de Cristo que ressurge glorioso, proclamando: “Lumen
Christi!”, ou seja, “eis a luz de Cristo”, que liturgicamente chama-se Breve
Lucernário. Canta o Exultet (uma verdadeira catequese mistagógica sobre a
Páscoa). Lê as Escrituras e medita sobre a grande promessa da libertação
definitiva do pecado e da morte (Liturgia da Palavra). Celebra o Batismo dos
catecúmenos, para sublinhar a participação dos cristãos no mistério da Morte e
da Ressurreição de Cristo (Liturgia Batismal). E por fim, celebra a Eucaristia,
atingindo o clímax da Celebração Pascal, onde o Cordeiro é exaltado, momento
cheio de alegria, louvor e ação de graças, no qual Cristo se faz presente
pessoalmente (Liturgia Eucarística).
Por fim, é Bento XVI que nos exorta, numa homilia para a Páscoa de 2007:
“Rezemos, portanto, nesta noite: Senhor, mostra hoje também que o amor é mais
forte do que o ódio. Que é mais forte do que a morte. Desce também nas noites e
na mansão dos mortos deste nosso tempo moderno e segura pela mão aqueles que
esperam. Leva-os para a luz! Fica também comigo nas minhas noites escuras e
conduz-me para fora! Ajuda-me, ajuda-nos a descer contigo na escuridão daqueles
que estão à espera, que das profundezas gritam por ti! Ajuda-nos a levar-lhes a
tua luz! Ajuda-nos a chegar ao “sim” do amor, que nos faz descer e por isso
mesmo subir junto contigo! Amém.”
(extraído do blog Comunidade Católica Pantokrator)